Há um fundo no fundo do rio. Mas ele não altera o infinito de suas águas. A fundura e a largura e o comprimento do rio me levam para o lugar de onde vim e para onde devo/espero/querodemais voltar. Talvez eu viva só para ir embora depois. Quando Milton Hatoum entrou na banquinha pelas mãos … Continue lendo Águas
A vala
Minha primeira experiência urbana foi uma vala. Ficava a não mais de quatro metros de distância da porta da sala. Era a primeira coisa que me via quando eu saía de casa. Cortava a rua de ponta a ponta, não tinha fim nem começo. A terra, paredes e fundo, era pútrida, pérfida. Tinha a deformidade … Continue lendo A vala
Deus
Todo o corpo de Sona estremeceu quando, pela primeira de poucas vezes, esticou a língua para receber do padre a hóstia. Vestidinho branco, sapatinho branco, véu branco, igreja de tábuas brancas, garota assustada. Todas as manhãs, quando entrava na escola, passava pela capela para admirar a imagem de Nossa Senhora de Nazaré em seu manto … Continue lendo Deus
Ouça…
Um motorzinho faz brbrbrbrbrbr baixinho. É o computador. Uma cortina de passarinhos assobia nos telhados ao redor. De quando em quando, passa um carro. O som meio surdo, como o de o batuque em caixa de fósforo, me acompanha. É o teclado cantando a música do meu viver – escrever. Trabalhar em casa é tudo … Continue lendo Ouça…
O que nos cabe saber
Uma menina chamada Phyllis perguntou a Einstein se ele rezava, ao que o físico respondeu: “Qualquer um que esteja seriamente envolvido em prol da ciência torna-se convencido de que algum espírito se manifesta nas leis do universo, um que é muitíssimo superior ao homem.” Não sei se Phyllis se sentiu respondida, mas Einstein me aquietou. … Continue lendo O que nos cabe saber
O metrô, o rio e o tudo
Há algo profundamente comum entre o metrô de São Paulo e o Rio Amazonas. O Rio Amazonas e o metrô de São Paulo são existências muito próximas. Há nos dois um milagre evidente: existem e se movimentam em dimensões exacerbadas. Um é a representação fantasmagórica do sobrenatural, embora natureza. O outro é fantasma do mesmo … Continue lendo O metrô, o rio e o tudo
Minha vida de cachorra
Como dizia meu querido Waldick Soriano, eu não sou cachorra não pra viver tão humilhada... mas vivo. As redes sociais me devoram, atordoam, embebedam. Fico bêbada, mas não do jeito bom, feliz, potente, leve. Fico tonta, sem Norte, como criança depois de brincar de gira-gira. Quando estava sob o guarda-chuva de uma corporação, eu ainda tinha a chance (indevida) de … Continue lendo Minha vida de cachorra
Estado líquido, estado bruto
Não há pernas nem rodas que levem a Macapá. Tal qual uma ilha marítima, a capital do extremo-norte brasileiro só é possível de ser alcançada pela água ou pelo ar. Tem três atrações exorbitantes: uma é obra da natureza, a outra da geografia e a terceira, do gênio humano. A primeira: É a única banhada … Continue lendo Estado líquido, estado bruto
Chegando aos 60
Já vivi 21 mil dias. A caminho dos 60, me pego com muitas idades – com 5, quando devoro, sôfrega, um chocolate; com 15, quando estremeço diante de um homem que me chama a atenção; com 30, quando em atividade física; com 40, quando imagino quantas vidas ainda posso viver; com 70, quando me inquieto com o neto que ainda … Continue lendo Chegando aos 60